segunda-feira, 14 de junho de 2010

Nós, indígenas do Xingu, não queremos Belo Monte

Cacique Bet Kamati Kayapó, Cacique Raoni Kayapó Yakareti Juruna

Nós, indígenas do Xingu, estamos aqui brigando pelo nosso povo, pelas nossas terras, mas lutamos também pelo futuro do mundo.
O presidente Lula disse na semana passada que ele se preocupa com os índios e com a Amazônia, e que não quer ONGs internacionais falando contra Belo Monte. Nós não somos ONGs internacionais.
Nós, 62 lideranças indígenas das aldeias Bacajá, Mrotidjam, Kararaô, Terra-Wanga, Boa Vista Km 17, Tukamã, Kapoto, Moikarako, Aykre, Kiketrum, Potikro, Tukaia, Mentutire, Omekrankum, Cakamkubem e Pokaimone, já sofremos muitas invasões e ameaças. Quando os portugueses chegaram ao Brasil, nós índios já estávamos aqui e muitos morreram e perderam enormes territórios, perdemos muitos dos direitos que tínhamos, muitos perderam parte de suas culturas e outros povos sumiram completamente. Nosso açougue é o mato, nosso mercado é o rio. Não queremos mais que mexam nos rios do Xingu e nem ameacem mais nossas aldeias e nossas crianças, que vão crescer com nossa cultura.
Não aceitamos a hidrelétrica de Belo Monte porque entendemos que a usina só vai trazer mais destruição para nossa região. Não estamos pensando só no local onde querem construir a barragem, mas em toda a destruição que a barragem pode trazer no futuro: mais empresas, mais fazendas, mais invasões de terra, mais conflitos e mais barragem depois. Do jeito que o homem branco está fazendo, tudo será destruído muito rápido. Nós perguntamos: o que mais o governo quer? Pra que mais energia com tanta destruição?
Já fizemos muitas reuniões e grandes encontros contra Belo Monte, como em 1989 e 2008 em Altamira-PA, e em 2009 na Aldeia Piaraçu, nas quais muitas das lideranças daqui estiveram presentes. Já falamos pessoalmente para o presidente Lula que não queremos essa barragem, e ele nos prometeu que essa usina não seria enfiada goela abaixo. Já falamos também com a Eletronorte e Eletrobrás, com a Funai e com o Ibama. Já alertamos o governo que se essa barragem acontecer, vai ter guerra. O Governo não entendeu nosso recado e desafiou os povos indígenas de novo, falando que vai construir a barragem de qualquer jeito. Quando o presidente Lula fala isso, mostra que pouco está se importando com o que os povos indígenas falam, e que não conhece os nossos direitos. Um exemplo dessa falta de respeito é marcar o leilão de Belo Monte na semana dos povos indígenas.
Por isso nós, povos indígenas da região do Xingu, convidamos de novo o James Cameron e sua equipe, representantes do Movimento Xingu Vivo para Sempre (como o movimento de mulheres, ISA e CIMI, Amazon Watch e outras organizações). Queremos que nos ajudem a levar o nosso recado para o mundo inteiro e para os brasileiros, que ainda não conhecem e que não sabem o que está acontecendo no Xingu. Fizemos esse convite porque vemos que tem gente de muitos lugares do Brasil e estrangeiros que querem ajudar a proteger os povos indígenas e os territórios de nossos povos. Essas pessoas são muito bem-vindas entre nós.
Nós estamos aqui brigando pelo nosso povo, pelas nossas terras, pelas nossas florestas, pelos nossos rios, pelos nossos filhos e em honra aos nossos antepassados. Lutamos também pelo futuro do mundo, pois sabemos que essas florestas trazem benefícios não só para os índios, mas para o povo do Brasil e do mundo inteiro. Sabemos também que sem essas florestas, muitos povos irão sofrer muito mais, pois já estão sofrendo com o que já foi destruído até agora. Pois tudo está ligado, como o sangue que une uma família.
O mundo tem que saber o que está acontecendo aqui, perceber que destruindo as florestas e povos indígenas, estarão destruindo o mundo inteiro. Por isso não queremos Belo Monte. Belo Monte representa a destruição de nosso povo.
Para encerrar, dizemos que estamos prontos, fortes, duros para lutar, e lembramos de um pedaço de uma carta que um parente indígena americano falou para o presidente deles muito tempo atrás: ” Só quando o homem branco destruir a floresta, matar todos os peixes, matar todos os animais e acabar com todos os rios, é que vão perceber que ninguém come dinheiro ” .
Cacique Bet Kamati Kayapó, Cacique Raoni Kayapó Yakareti Juruna, representando 62 lideranças indígenas da Bacia do Xingu.

Fonte: Valor Econômico

quinta-feira, 3 de junho de 2010

A Relação Sociedade-Natureza na Atividade Agrária

Nenhum outro momento da história foi tão intenso quanto o século XX. Nunca se explorou, degradou e destruiu tanto o meio ambiente como aconteceu nesse período de tempo. A industrialização e a revolução tecnológica provocaram mudanças irreversíveis. No caso da agricultura não foi diferente. A modernização trouxe novas formas de trabalhar com a terra e de produzir alimentos. O trabalho braçal e familiar do pequeno agricultor deu vez ao trabalho mecanizado em escala industrial com a introdução de novas técnicas de produção graças ao avanço da ciência e da biotecnologia sempre obedecendo à lógica capitalista do agronegócio.
A pecuária extensiva é uma das atividades econômicas que mais causam impactos no meio ambiente. A criação animal em escala industrial para consumo foi dominada pela introdução de animais inexistentes nos ecossistemas nativos brasileiros, como os bois, os cavalos e os porcos. A especulação financeira tem levado grandes empresários a se tornarem proprietários de enormes extensões de terra visando unicamente o lucro. Para se livrarem da condição de terra improdutiva desmatam e implantam a criação de gado. Isso tem-se demonstrado um sério problema sócio-ambiental, visto que, pequenos agricultores familiares perdem a oportunidade de cultivar uma variedade maior de alimentos tanto para o comércio como para sua subsistência, assim como, o pisoteio do gado no solo favorece sua compactação e conseqüentemente a degradação pelos processos erosivos.
A agroindústria da cana, para produção do etanol, a da soja e seus derivados e também a da laranja são exemplos de monocultura que acabam com grandes áreas onde, antes havia grande biodiversidade esgotando todos os minerais do solo. Essas monoculturas desequilibram todas as relações entre a microfauna, a fauna, os vegetais, o solo e a água. Nesse agroecossistema desequilbrado surgem as denominadas erroneamente de pragas e ervas daninhas, que nada mais são do que uma forma natural para o reestabelecimento do equilíbrio. Mas, a produção em larga escala industrial exige soluções rápidas e eficientes que possam garantir uma grande safra num espaço curto de tempo para atender às demandas de um mercado cada vez mais numeroso, voraz e exigente quanto à qualidade dos produtos. Por isso, para acelerar o crescimento e combater as pragas são utilizados os fertilizantes químicos e os agrotóxicos que acabam por contaminar o solo, a água, os alimentos e o próprio ser humano.
A pequena elite agrária, concentradora de terras e proprietária de grandes latifúndios improdutivos também é responsável pela exploração do trabalho no campo e pelos conflitos de terra em todo território nacional, principalmente no norte e nordeste onde o desmatamento para o pasto e a grilagem de terras são mais recorrentes. Temos a situação onde pequenos agricultores são atraídos para trabalhar em canaviais para a indústria do etanol, sendo obrigados a deixar suas famílias e sua terra natal. São submetidos a um trabalho exploratório em regime de escravidão e induzidos à dívidas que jamais conseguirão pagar. Outras vezes são obrigados a migrarem em busca de melhores condições de vida em outras regiões do país atrás de um emprego nas grandes cidades
O padrão de consumo atual está levando à degradação e ao esgotamento, em alguns casos irreversível, dos recursos naturais. Um modelo de desenvolvimento que adote uma forma de agricultura mais ecológica e, portanto mais sustentável, se faz necessário. As experiências na agricultura usando os princípios da agroecologia têm demosntrado ser esta uma forma de relação com a terra muito mais sustentável e saudável, tanto do ponto de vista do ambiente como da saúde humana.
A agroecologia, além de estar relacionada aos aspectos técnicos da produção agrícola, também inclui novas formas de relações sociais, culturais, econômicas e políticas. As espécies cultivadas para o consumo são consorciadas com espécies nativas do local e da região. Essa combinação acaba por se configurar em uma paisagem onde a presença do ser humano causa pouco ou nenhum impacto no ambiente. O cultivo agrícola onde espécies comestíveis é combinado com espécies não comestíveis constituindo-se num agroecossistema equilibrado livre de pragas e ervas daninhas é denomindado de agrofloresta. Nesse sistema o solo está constantemente recoberto pela matéria orgânica facilitando a ciclagem de nutrientes dentro dos ciclos biogeoquímicos e evitando sua degradação e esgotamento. Também a forma de adubação e o controle de pragas é realizado de forma diferente da agricultura convencional. Utiliza-se a adubação verde e a agrohomeopatia ou métodos biológicos naturais. A colheita é feita respeitando-se os ciclos naturais e as fases da lua na época certa. Os alimentos e as espécies cultivadas são nativos da região e as formas de troca e comercialização são mais solidárias e justas.
Por tudo isso entendemos que é necessário uma maior conscientização política, tanto do governo como da população, e mais critério e atenção nos nossos padrões de consumo e alimentação. Como vamos nos comportar em relação ao meio ambiente é uma decisão que cabe à toda sociedade humana.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

A Ameaça do Lixo Espacial

Por Salvador Nogueira, especial para o Yahoo! Brasil

Se alguém tivesse de adivinhar qual tipo de artefato espacial a humanidade mais lançou à órbita terrestre nas últimas cinco décadas, provavelmente erraria. Nada de satélites artificiais, espaçonaves tripuladas ou sondas interplanetárias. A resposta certa é: lixo.

Sim, lixo. A cada lançamento de foguete que se faz, produz-se grande quantidade de detritos que acabam indo parar no espaço ao redor da Terra. Por que isso acontece? Tem a ver com as tecnologias empregadas nos veículos lançadores. Por exemplo, a imensa maioria dos foguetes capazes de colocar satélites em órbita possui vários estágios. Eles seriam como "andares" do veículo, que são descartados conforme seu combustível se esgota. Assim, o foguete não precisa levar todo o peso durante a subida, descartando alguns pedaços assim que se tornam inúteis.

Ocorre que, além do satélite ou outro artefato (o termo genérico usado é "carga útil") que vai na ponta do foguete, o último dos estágios também acaba entrando em órbita. E fica lá, às vezes por anos, outras por décadas, girando ao redor do nosso planeta. Isso sem falar em pequenos parafusos e lascas de tinta que se desprendem durante a separação dos estágios e tornam-se também pequeninos satélites.

No fim das contas, são mais de 9.000 objetos feitos pelo homem (coisas que vão desde satélites operacionais a ferramentas soltas no espaço por astronautas) que precisam ser monitorados constantemente. Se somarmos a eles os detritos como lascas e parafusos (com tamanho superior a um centímetro), o número passa a cerca de 110 mil.

Mas acalme-se, esses dispositivos - ou parte deles - não vão cair na sua cabeça. Caso se desprendam da órbita, eles não causariam dano algum a quem vive na Terra, já que quando esses detritos entram na atmosfera, eles queimam e quase nunca sobra algum pedaço para contar a história. Um objeto grande demais pode, em tese, causar danos. Mas as reentradas de satélites maiores também são monitoradas, para se certificar de que cairão no mar - que é o que normalmente acontece.

São números de assustar. Para cada satélite lançado pelos americanos, são produzidos, em média, quatro detritos espaciais. A média russa é a metade disso (dois detritos por satélite lançado), mas ainda assim é grande. Até porque essas coisas acabam indo para o espaço para ficar.

"O espaço é o ambiente mais frágil que existe, porque tem a menor capacidade de se reparar. Apenas a atmosfera da Terra pode remover satélites de órbita", afirmou Joel Primack, astrônomo da Universidade da Califórnia em Santa Cruz, nos Estados Unidos, durante uma palestra. Isso acontece porque a resistência das moléculas residuais de ar nas órbitas mais baixas faz com que os objetos voem cada vez mais baixo, até entrarem de vez na atmosfera, quando eles queimam para valer. "Detritos em órbitas mais altas do que 800 quilômetros da superfície estarão lá por décadas; mais do que mil quilômetros, por séculos; e acima de 1.500 quilômetros, praticamente para sempre.", disse.

Lixo perigoso
Até aí, você pode pensar: é bastante lixo, mas o espaço é bem, digamos, espaçoso. Ninguém vai se incomodar. Mas não é assim. Tudo bem que há muito lugar vazio, mesmo nas órbitas mais próximas da Terra (as mais poluídas), mas o problema é que esses detritos espaciais viajam em grandes velocidades, pois foram impulsionados pelos foguetes que os levaram até lá em cima.

Viajando a 28 mil quilômetros por hora (o padrão para qualquer coisa que esteja numa órbita terrestre baixa, como os ônibus espaciais e a Estação Espacial Internacional), até mesmo uma lasquinha de tinta pode ser fatal. Caso um desses detritos colidisse com uma nave tripulada, por exemplo, poderia surgir um buraco no casco, causando a despressurização do veículo.





Por isso, todas as potências espaciais que fazem lançamentos de astronautas (basicamente americanos, russos e chineses) mantêm um monitoramento constante dos detritos espaciais, para saber de onde estão vindo para onde eles estão indo. Caso um esteja em rota de colisão, a única saída é sair da frente do lixo.

Isso já aconteceu em situações até pitorescas. Em um episódio recente, um astronauta que trabalhava no exterior da Estação Espacial Internacional deixou escapar uma das ferramentas que estava usando. Conforme ela se afastava, flutuando pelo vazio do espaço, o controle da missão decidiu disparar um foguete e "empurrar" a estação mais para cima. Automaticamente ela passa a orbitar numa órbita maior e mais alta. O medo era que a ferramenta perdida desse a volta na Terra e acertasse a estação dali a 90 minutos.

Manobras como essa são mais corriqueiras do que se pensa. Um procedimento de segurança adotado, por exemplo, em todos os voos do ônibus espacial é o seguinte: uma vez que a nave esteja em órbita, ela voa com o "rabo" voltado para a frente. O esforço é para que os astronautas, na porção frontal do veículo, corram menos riscos, caso a espaçonave encontre pela frente algum detrito.

Risco aumentado
Em 1957, quando os soviéticos lançaram o primeiro satélite artificial da Terra, ninguém pensava nessas coisas. Agora, o difícil é não pensar. Bobeou, deu problema.

Pelo menos foi o que aconteceu no dia 10 de fevereiro do ano passado, quando a empresa de telecomunicações americana Iridium perdeu, de repente, o contato com um de seus satélites. Quando foram ver o que tinha acontecido, descobriram que ele havia sido destruído por uma colisão com um antigo satélite militar soviético, há muito tempo desativado. Além do prejuízo, o episódio produziu adivinha o quê? Mais lixo espacial. Em vez de dois satélites, agora havia mais de 60 pedaços grandes de metal (além de incontáveis pedaços pequenos) em órbita da Terra, resultado da colisão.

É bem verdade que foi a primeira vez que se registrou uma colisão entre dois satélites, o que mostra que episódios como esse costumam ser bem raros. Em compensação, com o aumento constante de detritos em órbita, a tendência é que eles se tornem cada vez mais frequentes.

Se não tomarmos muito cuidado, eles podem resultar numa reação em cadeia que transformará detritos maiores (e mais "monitoráveis") em detritos menores e mais numerosos, efetivamente envolvendo nosso planeta num invólucro de lixo e tornando ainda mais complicada a já complexa missão de enviar alguma coisa ao espaço.

Fonte http://br.noticias.yahoo.com/s/27042010/48/manchetes-ameaca-lixo-espacial.html